“Jesus lhe respondeu: Se conhecesses o dom de Deus e quem é o que te diz: Dá-me um pouco de água,
tu lhe pedirias e ele te daria água viva”
João 4.10
Resumo
… o diálogo entre Jesus e a samaritana continuou, sem reservas, sem preconceito, porque sua sede era muita e a vontade de Jesus em dar-lhe a água da vida era maior ainda…
Nasci e vivi até os doze anos em um sítio no interior de Minas Gerais, chamado “Fazenda beija-flor”. O terreno é cortado por um rio, com águas tranquilas de uma extremidade à outra das divisas marcadas por duas cachoeiras. Da cachoeira da parte de cima saía um rego d’água feito especialmente para serventia da casa que fora construída em uma das colinas abaixo. As águas corriam em seu leito cavado entre as árvores da capoeira, uma espécie de matinha, e em todo o seu percurso iam trazendo as folhas que nelas caíam. A certa altura, bem perto da casa o rego se dividia em dois, um que descia o morro e outro que continuava seu caminho até o terreiro da casa, seguindo por uma valeta estreita que ia dar na bica d’água, lugar de minha preferência, pela beleza do seu caimento constante, pela areia no fundo do pocinho formado no chão, pelo barulho da água cantante dia e noite e pelas plantas que nasciam ao seu redor.
As águas que desciam o morro passavam por um rego cimentado que também se dividia em dois, um para o moinho de pedra e o monjolo, que funcionavam durante o dia, e outro para a usina elétrica que funcionava à noite, alimentando com energia as lâmpadas e o rádio, em cujo entorno se sentavam os que gostavam de futebol e notícias.
As águas que iam para a usina caíam em um reservatório com duas grades de arame, uma bem no meio dele, ocupando as duas extremidades e, a outra bem pequena, saída para um cano que dava direto para o gerador da usina.
Uma das minhas obrigações de criança era retirar as folhas, várias vezes durante o dia, que desciam no rego e agarravam na grade do moinho, porque a grade da usina só podia ser limpa por adultos, dado à dificuldade, ao horário noturno e ao perigo.de se cair dentro do reservatório. Eu era fascinada pelas águas, do rio, do rego da matinha, mas principalmente, por aquelas que eu tinha contato direto ao limpar a grade. Dado o declive do terreno a velocidade das águas era suficiente para me levar, se por acaso eu caísse dentro do rego. Eu sabia que era perigoso. Mas o incrível é que eu sonhava com o dia em que, crescida pudesse limpar, também, a grade do reservatório da usina.
Todos sabemos que a água foi e é vida em qualquer época e lugar. Independente da minha fascinação ela era a vida da fazenda. A casa só foi construída no lugar em que foi, porque a água podia ir até lá. Podia tocar o moinho, o monjolo, a usina, saciar a sede dos humanos e animais e continuava descendo a colina até alcançar o rio novamente. Um rio de águas claras e frias, que na sua parte mais rasa e larga, onde era a passagem do gado e dos cavaleiros, chamada “porto”, eu atravessava para pegar o cavalo Pampinha do outro lado. É claro que eu podia atravessar pela pinguela, porém não perdia nenhuma oportunidade de passar a pé no porto, sentindo na pele a água fria.
O texto de João 4 narra a história de uma mulher moradora da cidade de Sicar na região da Samaria. Uma mulher que tal como todos os seres humanos dependia da água para viver. Só que, em vez ter a água correndo até sua casa, em um rego ou cano, ela é que tinha de ir, diariamente, até ao poço buscá-la para matar sua sede e para os afazeres domésticos.
Num dado dia, ao chegar ao poço, que a Bíblia relata ter sido cavado pelo Patriarca Jacó centenas de anos antes, ela encontrou, sentado em sua beirada, um homem judeu que lhe pediu um pouco d’água para beber. Como samaritana, a mulher demonstrou surpresa ao ser interpelada por ele devido às questões socioculturais – primeiro por ser homem e não ser costumeiro um homem e uma mulher conversarem em público, segundo por ser judeu o que também não era costume uma boa conversa entre judeus e samaritanos. Apesar desses dois motivos que poderiam impedir uma conversa, o diálogo entre eles continuou, sem reservas, sem preconceito, porque sua sede era muita e vontade de Jesus em dar-lhe a água da vida era maior ainda.
À beira do poço, homem e mulher, judeu e samaritana, conversaram sobre História e Teologia, sobre água que mata a sede corpo e a sede da alma. Uma conversa de salvação que se estendeu aos outros moradores de Sicar, porque quando alguém conhece Aquele que tem a água da vida, rios correm de seu interior e transformam desertos em pradarias verdejantes.