A notícia de que os primeiros bebês foram fertilizados com sucesso por um robô, em um avanço histórico detalhado em junho de 2023, nos força a confrontar questões profundas sobre a criação, a tecnologia e o papel humano. Como uma máquina, sem emoção ou consciência, pode se tornar um agente na criação da vida? E como a fé, especialmente a cristã, que valoriza a vida como um dom sagrado e divino, pode entender essa nova realidade?
A fertilização robótica pode, em teoria, tornar o processo de fertilização in vitro (FIV) mais eficiente, preciso e acessível. A precisão de uma máquina elimina o “tremor” humano, podendo aumentar as taxas de sucesso e reduzir o risco de erros. Para casais que enfrentam a infertilidade, esse avanço pode ser uma nova esperança, uma maneira de realizar o sonho de ter uma família. A tecnologia, nesse sentido, atua como uma ferramenta para o bem, um reflexo do nosso talento e engenhosidade. No entanto, a linha entre “ajudar” e “substituir” a natureza é tênue.
A fertilização robótica levanta a questão: até que ponto a intervenção tecnológica na criação da vida é ética? Ao entregar a um robô o ato fundamental de unir o esperma e o óvulo, estamos desumanizando o processo de concepção? Embora o uso de robôs possa otimizar os resultados, essa otimização não ignora a essência do ato de dar à luz, que para muitos é um processo profundamente pessoal e espiritual?
A Bíblia, embora não mencione robôs ou FIV, oferece princípios que podem nos guiar. O livro de Gênesis começa com Deus criando a vida. Ele formou o homem do “pó da terra” e soprou “o fôlego da vida” em suas narinas, fazendo-o “alma vivente” (Gênesis 2.7). Essa passagem não só descreve a origem da humanidade, mas também estabelece um princípio fundamental: a vida humana é um milagre, uma dádiva divina.
Em Salmos 139.13,14, o rei Davi reflete sobre a sua própria formação: “Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no ventre de minha mãe. Eu te louvarei, pois fui formado de modo tão admirável e maravilhoso! Tuas obras são maravilhosas, tenho plena certeza disso!”. Essa linguagem poética destaca que a criação de uma vida humana é um ato de “tecelagem” intrincado e “maravilhoso” que ocorre dentro do ventre materno. Essas passagens não condenam o avanço científico, mas sim nos incentivam a ver a vida com reverência e admiração. A fertilização robótica, por mais impressionante que seja, não reproduz o milagre do “sopro de vida“. A tecnologia pode facilitar a união de células, mas não pode infundir a alma ou o espírito.
À medida que a ciência e a tecnologia avançam em um ritmo cada vez mais rápido, é crucial que nos perguntemos para onde essa corrida nos leva. Queremos um futuro em que a criação da vida se torne um processo industrial, frio e puramente técnico? Ou podemos buscar um caminho onde a tecnologia sirva para honrar e proteger a dignidade da vida humana, e não a substituir? A fertilização robótica é um sinal de que a vida, antes vista como um mistério sagrado, pode em breve ser entendida como um problema técnico a ser resolvido.
Referências bibliográficas
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