Resumo
Houve um tempo na história que a INSTRUÇÃO TEOLÓGICA era destinada somente aos homens…
Na década de 1980 quando cheguei ao Seminário Teológico Batista Mineiro, mais tarde, Faculdade Batista de Minas Gerais um dos estudantes, com ar de ironia, me perguntou se havia me ingressado no curso para encontrar marido. Respondi que não, mas que, se aparecesse alguém interessante eu não teria nenhum preconceito. E acabou aparecendo.
Muitos anos antes desse acontecimento, nos anos de 1900, mais precisamente em 1917, segundo o site sec.org.br, outra mulher brasileira passou por situação parecida ao chegar ao Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil, pois, foi impedida de ingressar no Curso de Teologia, por ser mulher. Seu nome, a história registra como, Josefa Silva. Tal proibição fez nascer duas escolas para a Educação Feminina na área Teológica batista brasileira, uma no Recife e outra no Rio de Janeiro. À Josefa Silva fiz uma homenagem, bem humorada, em forma de cordel, por ocasião do Congresso dos Educadores Cristãos Batistas do Brasil ocorrido no nordeste em 2012 na cidade de Aracajú, que transcrevo nesse artigo:
Foi em 1917
que Josefa Silva chegou
lá no Seminário do Norte
e na porta se apresentou:
– quero fazer Teologia
Pois pra isso Deus me chamou.
O espanto foi geral:
– volte pra casa sua moça
que aqui não é seu lugar
aqui estão os “homens”
que convocados por Deus
se preparam para pregar.
Mas Josefa Silva
cheia de convicção
do local não se arredou:
– daqui não saio, daqui
ninguém me tira
antes que receba o preparo
para a obra do Senhor.
O diretor acuado
não sabia o que fazer
como duvidar do chamado
de alguém que em obedecer
demonstrava tanto agrado
e sentia tanto prazer!?
Um Seminário pra mulheres
foi ideia de bom parecer.
Assim nasceu o SEC
Seminário de Educadoras Cristãs
foi um avanço pra época
temos que reconhecer.
É pena que não sabemos
mais sobre essa guerreira
que com determinação
e pelo poder de Deus
abriu caminho pra instrução teológica
da mulher batista brasileira.
A situação das mulheres em relação à emancipação intelectual na área teológica, em outros países, não era diferente da situação no Brasil na época de Josefa. Nem nos países de primeiro mundo as mulheres eram aceitas nos Cursos de Teologia. Segundo Marie Theres Wacker em seu artigo “Cem anos de mulheres e Bíblia…” , na Alemanha por exemplo as Faculdades Teológicas só abriram espaço para as mulheres a partir da declaração da igualdade das mulheres e homens estabelecida na Constituição em 1918, mesmo assim sem qualquer tipo de compromisso com o exercício de profissões eclesiais.
Se retrocedermos mais um pouco na história vamos encontrar outras mulheres enfrentando algum tipo de restrição. Segundo o site Britannica escola, Angeline e Sarah Grimké inglesas membros do grupo religioso quacre, foram impedidas de proferir seus discursos à uma plateia mista. Os homens da sua comunidade, considerados “fiéis à Bíblia” fizeram isso tendo como base I Timóteo 2.12. Essa atitude quiriarcal em 1837 levou Sarah Grimké a entender e defender a hipótese de que a interpretação da Escritura feita por “homens” estava a serviço da submissão das “mulheres”. A partir do episódio Sarah convocou as mulheres a estudar as línguas originais da Bíblia e tomar a interpretação em suas próprias mãos.
Os questionamentos de Sarah associados a outros movimentos fez surgir em Londres em 1840 um movimento para articular a luta pela libertação dos escravos com a luta pela libertação das mulheres. O anseio pela igualdade era geral o que culminou na realização de um congresso na igreja Metodista Wesleyana em Seneca Falls, nos Estados Unidos, em 19 e 20 de julho de 1848. A reunião que entrou para a história das mulheres constou em sua pauta os seguintes assuntos entre outros: a luta pela educação e voto das mulheres e independência legal da tutela de seus pais e maridos.
O fato é que desde a antiguidade a mulher não teve direito à instrução. Os motivos são variados e pela extensão do assunto não nos cabe refletir sobre eles neste artigo. Faço uma exceção apenas para o campo da Ciência com a afirmativa do biólogo Charles Darwin de que a inferioridade da mulher era baseada em princípios científicos. Angela Saini em seu ensaio “As mentiras sexistas da Ciência”, responsabiliza Darwin de fazer parecer ciência o que era simplesmente social, divulgando que as mulheres eram limitadas intelectualmente.
Segundo Angela em matéria no site El País duas foram as razões consideradas básicas para afastarem as mulheres do campo da ciência. A primeira dizia que as fortes tensões mentais causadas pelos cursos superiores poderiam subtrair energia do sistema reprodutivo, deixando em risco a fertilidade delas. A segunda era a de que a presença das mulheres poderiam distrair os homens.
Até mesmo na sociedade judaica as mulheres eram impedidas de receber instrução. Só os meninos eram instruídos na lei nas sinagogas e quanto à questão religiosa elas nem podiam frequentar o mesmo espaço do templo destinado aos homens.
Por todos esses motivos não é de se admirar a pouca participação da mulher no meio intelectual, tanto na cultura geral como na cultura religiosa. As que conseguiram se destacar no campo das ciências, de forma geral e das ciências teológicas, de forma particular foram, pelo menos no início, consideradas intrusas.
Os tempos são outros. Como mulheres precisamos estabelecer um relacionamento mais crítico em relação à ciência. Ela não é feita por seres superiores e sim por pessoas acometidas dos mesmos preconceitos que todos os outros seres humanos. Quanto ao campo da Teologia da mesma forma, os escritos que temos hoje acumulados desde os tempos dos primeiros intérpretes e comentaristas das Escrituras foram feitos por seres humanos normais e não superiores, que carregaram em sua forma de pensar os mesmos preconceitos culturais do restante da população, em relação à mulher.
O que nos cabe como mulheres é aproveitar os benefícios já adquiridos, pois hoje os cursos de Teologia estão abertos não só para alunas como também para professoras, e tentar promover novos avanços.
Referências:
Quacre. Britannica escola. Disponível em: <https://escola.britannica.com.br/artigo/quacre/482313> Acesso em: 05 mai.2021.
FERNANDES, Fernanda. A história da educação Feminina. MultiRio, 2019. Disponível em: <http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/14812-a-hist%C3%B3ria-da-educa%C3%A7%C3%A3o->feminina#:~:text=Mulheres%20no%20ensino%20profissionalizante%20e,pap%C3%A9is%20tradicionalmente%20vinculados%20%C3%A0s%20mulheres>. Acesso em: 05 de mai. 2021.
Nossa história. Seminário de Educação Cristã. Disponível em: <https://www.sec.org.br/site/institucional.php>. Acesso e 05 de mai. 2021
SCHOTTROFF, Luise. Exegese Feminista: resultados de pesquisas bíblicas de mulheres. Tradução de Monika Ottermann – São Leopoldo: sinodal?EST:CEBI: São Paulo: ASTE, 2008.