A velhice, tempo de colheita e sabedoria, frequentemente nos confronta com dilemas sobre o cuidado e a moradia. A decisão entre uma instituição de longa permanência (ILPI) e o carinho do lar, sob o cuidado direto dos filhos, é um campo fértil para expectativas, sentimento de culpa e o persistente estigma da etariedade.
Este artigo busca desmistificar essa escolha, defendendo que o lar dos filhos, na maioria das vezes, é o lugar mais sagrado para honrar aqueles que nos deram a vida, e que, muitas vezes, também cuidaram de nossos filhos e netos.
A sociedade, por vezes, sugere que a institucionalização é uma solução prática, mas a narrativa que a Bíblia nos oferece é de profunda honra aos nossos pais. “Honra teu pai e tua mãe, para que tenhas vida longa na terra que o SENHOR teu Deus te dá” (Êxodo 20.12) – este mandamento não é apenas um dever, mas uma promessa. Fran Winandy (2023) nos lembra do “etarismo”, esse preconceito velado contra a idade avançada. No entanto, o cuidado de um pai ou mãe idoso em casa é um ato de amor e reconhecimento, uma forma de retribuir a vida, a educação e, em muitos casos, a dedicação incansável que esses pais dispensaram aos seus próprios filhos e netos. Quem não se lembra do colo dos avós, das histórias contadas, da paciência e do amor com que cuidaram dos pequenos, permitindo que os filhos seguissem suas jornadas? Essa memória é um legado de cuidado que merece ser honrado. É inegável que a realidade do cuidado domiciliar é complexa. Cuidar de um idoso, especialmente com dependência física ou cognitiva, exige tempo, dedicação, e muitas vezes, sacrifícios financeiros e emocionais. Carolina Becker Bueno de Abreu (2009) e Elaine Cristina Mendes Marques (2023) expõem os desafios que recaem sobre os cuidadores familiares. O esgotamento, a sobrecarga e a falta de preparo podem ser obstáculos. Contudo, esses desafios podem ser superados com planejamento familiar, busca por apoio profissional (seja de cuidadores, fisioterapeutas, enfermeiros que complementam o cuidado no lar) e, acima de tudo, com a unidade e o amor familiar. “Melhor é serem dois do que um”, diz Eclesiastes 4.9, e isso se aplica à cooperação entre irmãos e familiares para prover o melhor para os pais.
Embora instituições de longa permanência possam oferecer cuidados especializados e socialização, a prioridade deve ser o lar familiar, um porto seguro construído em anos de história. A Bíblia nos ensina a cuidar dos nossos próprios: “Mas, se alguém não cuida dos seus, especialmente dos de sua família, tem negado a fé e é pior que um descrente” (1Timóteo 5.8).
Promover um envelhecimento saudável e digno, como a gerontologia (Graeff et al., 2024) busca, pode e deve ser feito no ambiente familiar, adaptando a casa, buscando recursos e dividindo responsabilidades. A autonomia e o bem-estar do idoso são cruciais, e muitas vezes se preservam melhor em um ambiente familiar conhecido e amado, com a rotina e as memórias que só o lar pode oferecer. A escolha do local de cuidado deve ser uma decisão em que o idoso, se possível, seja a voz principal, mas que os filhos assumam o protagonismo e a responsabilidade. Não se trata de uma escolha entre “amor” e “abandono”, mas sim de uma oportunidade de praticar o amor incondicional. “Eu serei o mesmo até a vossa velhice, e ainda na vossa idade avançada eu vos carregarei; eu vos criei e vos levarei; sim, eu vos carregarei e vos livrarei” (Isaías 46.4) nos lembra do cuidado divino que se estende por todas as fases da vida, e que somos chamados a imitar esse cuidado amoroso para com nossos idosos. A velhice merece ser vivida com respeito, escolhas informadas e, acima de tudo, com a certeza de que o cuidado no lar dos filhos é o ápice da reciprocidade, um eco do amor que eles nos dedicaram, e um testemunho vivo do amor ao próximo.
Referências bibliográficas
ABREU, Carolina Becker Bueno de. Cuidando de Quem já Cuidou: o Livro do Cuidador. 1. ed. São Paulo: Atheneu, 2009.
ARANTES, Ana Claudia Quintana. Pra Vida Toda Valer a Pena Viver: Pequeno Manual Para Envelhecer com Alegria. Rio de Janeiro: Sextante, 2021.
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FALCÃO, Deusivania Vieira da Silva et al. (Orgs.). Psicologia do Envelhecimento: Relações Sociais, Bem-Estar Subjetivo e Atuação Profissional em Contextos Diferenciados. 2. ed. Campinas: Alínea, 2011.
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MARQUES, Elaine Cristina Mendes. Cuidador de Idosos: Cuidar com Cuidado. São Paulo: Martinari, 2023.
WINANDY, Fran. Etarismo: Um Novo Nome para um Velho Preconceito. São Paulo: Matrix, 2023.