Introdução
A Reforma Protestante trouxe profundas mudanças ao cristianismo e ao mundo como um todo. Foi de lá que vieram ideais de liberdade, de igualdade, da possibilidade de busca pelo conhecimento, do surgimento de escolas e universidades e, principalmente, da possibilidade de por si mesmo alguém poder desfrutar do estudo da Palavra de Deus. O Sola Scriptura tinha o objetivo não só de estabelecer a base correta e única da verdadeira crença, mas também de levar ao desenvolvimento do ensino bíblico correto e que fosse acessível a qualquer um.
A educação, que era privilégio de alguns, passaria a alcançar um número cada vez maior de pessoas através do ensino das Escrituras sagradas. Embora em pleno século XXI ainda tenhamos tantas pessoas que não tem acesso à educação formal, sem a reforma protestante estaríamos numa situação muito pior. Mas o mar nem sempre foi de rosas e prova disso é o crescimento de tanta esquisitice espiritual em nossos dias, em sua maioria por falta do ensino correto das Escrituras.
Neste artigo quero delinear, não de forma exaustiva, alguns pontos importantes quanto ao ensino na Igreja, pois sua correta e constante aplicação pode proporcionar excepcional crescimento espiritual da comunidade cristã. O ensino na igreja deve ocupar um lugar de primazia (ou pelo menos deveria!!), pois é através dele que a formação adequada e bíblica acontece. Esse deveria ser o desejo de todo crente que quer crescer na graça e no conhecimento do Senhor Jesus. Ouso dizer que limitar-se a ir à igreja para ouvir sermões não é suficiente para o verdadeiro crescimento espiritual.
1. A importância do ensino das Escrituras
É através do ensino que aprendemos a forma correta de crer (ortodoxia) e agir (ortopraxia). As Escrituras sempre desempenharam proeminência, quando do período de estabelecimento da nação de Israel, durante os períodos de exílio ou de domínio por outras nações, até o aparecimento do Messias e para na formação Igreja primitiva, estendendo-se até nossos dias. Infelizmente, nestes tempos pós-modernos a influência cultural de uma sociedade líquida, nas palavras do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, tem levado ao extermínio educacional e formativo de outrora. Não há busca pela verdade como tal e o que mais importa são as narrativas.
Assim, ouvir um sermão ou uma explicação de um texto, tudo mastigado, tem se tornado mais importante que o deleite ou o beber da própria fonte, que são as sagradas Escrituras. Some-se a isso a falta de tempo, ou o uso do tempo para o supérfluo, que tem levado cada vez menos à leitura e ao estudo das Escrituras.
Revisitar as Escrituras é necessário para se entender a importância de seu ensino, pois é através dela que se preparam “[…] tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos para a obra do ministério e para a edificação do corpo de Cristo;
até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem feito, à medida da estatura da plenitude de Cristo;[…]” (Efésios 4.12,13).
Num artigo recente que escrevi e foi publicado no Blog da AECBB (https://oecbb.com.br/para-que-serve-sua-biblia/) delineei alguns pontos importantes da importância das Escrituras. Brevemente, apresentei três motivos para o estudo das Escrituras que estão na essencialidade para o crescimento espiritual (1Pe 2.2), na necessidade para que se alcance maturidade espiritual (Hb 5.11-14) e que a Sagrada Escritura é eficaz ao que se propõe e tem eficácia comprovada (2Tm 3.16-17).
Não podemos aceitar nada menos que isso. Para ter uma igreja madura e sadia, é necessário que o ensino das Escrituras ocupe o lugar mais importante. Digo, o ensino correto, que leva ao verdadeiro crescimento e que busca a glorificação de nosso Deus. Cristãos bem formados na Palavra de Deus são aqueles que constroem suas vidas sobre a rocha e que não são abalados por qualquer vento ou tempestade que apareça (Mt 7.24-27).
As próprias Escrituras nos ajudam a entender o que estou tentando alertar. A grande comissão dada aos discípulos foi de que fossem e ensinassem o que haviam aprendido do mestre, pois isso era o que traria a verdadeira mudança (Mt 28.19-20). Entendendo este chamado, os discípulos foram, dispersaram-se para cumprir o chamado e anunciar a boa nova do evangelho. Não tinha lugar que não fossem (At 13.14; 14.1; 18.4), pois estavam comprometidos com o ensino correto das Escrituras, com o anúncio do verdadeiro evangelho que traria a mudança essencial e necessária à vida das pessoas. Mas para que isso acontecesse, eles não só tiveram um chamado, foram também capacitados e continuaram sendo capacitados durante toda a jornada (Ef 4.11-14).
O ensino das Escrituras é essencial para o desenvolvimento do crente, pois ela foi escrita para isso (Rm 15.4), mesmo que não a compreendamos completamente quando a lemos, pois há coisas que não são reveladas de primeira (Dt 29.29), mas depois de lidas, relidas e conversadas podemos chegar a sua compreensão com mais clareza. Além disso, o ensino das Escrituras permite olharmos para trás e vermos as obras grandiosas de nosso Deus e sabermos, com certeza, que ele cuida de nós (Js 4.21-24).
2. A importância de um currículo
Ter uniformidade, começo, meio e fim também é importante para a cultura do ensino na igreja. Assim, a definição de um currículo básico de ensino, estruturado, mesmo que simples, é necessário. Um currículo, reúne disciplinas e conteúdos a serem implementados e cumpridos, além de estabelecer os objetivos de aprendizagem em cada etapa do crescimento espiritual, baseados no conhecimento das Escrituras sagradas, bem como dá uma sequência lógica para que esse conhecimento seja construído.
Um ensino sério das Escrituras sagradas gera uma igreja forte e sadia. Por isso, é necessário uma “profissionalização do ensino na igreja”. Com isto, não estou dizendo que não há ensino sério nas igrejas, mas que é preciso manter um ensino sério para que a igreja continue crescendo de forma sadia. Isso necessita de uma mudança completa no comportamento de cada um de nós, a começar pelas atitudes bem simples. Por exemplo, quantos vão às aulas da escola bíblica levando caneta e caderno para anotações, além de sua Bíblia? Talvez, essa seja a sua realidade, mas posso garantir que não é a de muita gente. Tenho ministrado o ensino religioso e secular e constato que neste quesito eles são diferentes, embora a falta de anotações nas aulas seja algo já universal, independente do que é ensinado. Mas ainda no ensino secular, os estudantes vão com um compromisso de fazerem anotações, ou tiram fotos do quadro/apresentação, para estudarem depois. Na igreja nem sempre isso acontece.
A profissionalização do ensino na igreja deve passar pela definição de um currículo que gere desejo do conhecimento da Palavra de Deus. Deve abordar conteúdos e as várias metodologias de aprendizagem, inclusive as ativas, a fim de levar a uma aprendizagem significativa, duradoura e que gere mudanças quanto à necessidade do processo educacional constante.
Não definirei um currículo básico ou amplo aqui, mas a base de ensino dele deve ser as sagradas Escrituras. A partir disso, uma discussão pedagógica com pessoas que trabalham a educação na igreja deve levar à conclusão de que o conhecimento das Escrituras não é algo fragmentado, sem sentido, com conteúdos ou disciplinas isolados, mas que fazem parte da vida diária do indivíduo, que se importa com ela, que procura relacionar a vivência diária com a vontade de Deus.
O que estou falando é o que as Escrituras mesmo nos ensinam, quando a orientação dada ao povo da recém-nação formada que deveria comunicar/ensinar em todo tempo, em toda situação, a qualquer um, sem distinção “[…] e as ensinarás a teus filhos e delas falarás sentado em casa e andando pelo caminho, ao deitar-te e ao levantar-te” Dt 6.7). O ensino das Escrituras deve ser holístico, no sentido de que não é fragmentado, e abranger toda a vida do cristão. Portanto, o currículo deve se propor a abranger o ensino das Escrituras para todas as faixas etárias, para todas as fases do crescimento cristão e sempre voltado para o despertamento dos dons espirituais, para o crescimento do corpo de Cristo.
Assim, o currículo deve buscar o entendimento da vontade de Deus (capacitação na compreensão da Palavra de Deus), o entendimento da missão da igreja (capacitação para a vida comunitária), o entendimento da missão da pessoa (capacitação para o trabalho no Reino de Deus) e entendimento do desenvolvimento da pessoa (capacitação para a vida pessoal equilibrada), que constituem o ensino integral das sagradas Escrituras. Um bom exemplo de currículo pode ser observado na PROPOSTA DE PROJETO PEDAGÓGICO DA CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA:
(http://www.convencaobatista.com.br/sig/modulos/site/comunicacao/uploads/documentoDownloadSite/2977891318092017183437.pdf).
3. A importância de professores bem capacitados
A adoção de um currículo educacional para a igreja leva também à necessidade de capacitação de pessoal. Isso quer dizer que a promoção de atividades específicas para a formação de professores é necessária, não só para fortalecer os professores existentes, mas para levar à formação de novos professores.
Essa capacitação deve levar ao comprometimento individual daquele que exerce seu chamado. É como o apóstolo Paulo ressalta que aquele que ensina deve se esmerar em fazê-lo […] se é serviço, que seja usado no serviço; se é ensino, que seja exercido no ensino; (Rm 12.7). O contexto que Paulo fala é o de desenvolvimento dos dons espirituais, sendo o ensino um deles. Mas os professores também precisam ser ensinados, a fim de que aprendam como ensinar. É como diz Riobaldo – “Mestre não é o quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.” (GUIMARÃES ROSA, J. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986).
Neste sentido, Jesus é nosso mestre maior, aquele que nos ensina todas as coisas. Num artigo publicado no Blog da AECCB diz: “Jesus era conhecido como Mestre (professor) pela forma como ensinava. Seu ensino não era despropositado, sem fundamento, mas Ele irritava a liderança da época, porque seu ensino trazia em si as mudanças necessárias para uma vida melhor. Esse foi o caso de Maria Madalena. Eu acho que essa é também uma boa qualidade de um professor, o ensino que dá, a forma como o faz, o compromisso com o que ensina e as mudanças que espera proporcionar. Outra qualidade é que Jesus não escolhia quem ensinar, não havia os preferidos, ensinava a todos, embora houvesse os escolhidos. Mas estes, o foram não porque eram melhores que qualquer outro, mas porque a agenda do Mestre estava comprometida com a vontade do Pai. Assim, escolher a quem ensinar em detrimento de outros, não parece ser uma boa qualificação, mas estar aberto a ensinar a todos quantos procuram, sim!” (https://oecbb.com.br/professor/).
Por outro lado, o ensino das Escrituras não é para os ignorantes, ou para aqueles que não tinham o que fazer e caíram de paraquedas um dia em que o professor faltou na escola bíblica. O ensino é para aqueles que foram chamados, capacitados e que se comprometem com o reino (O que ouviste de mim, diante de muitas testemunhas, transmite a homens fiéis e aptos para também ensinarem a outros)” (2Tim 2.2).
Nossos professores da escola bíblica precisam ser capacitados, despertados para o compromisso com o ensino verdadeiro das Escrituras. Quantos de nós capacitam-se para o ato de ensino secular, mas quando se fala do ensino na igreja, o fazem de qualquer forma. Muitos não gastam tempo em pesquisa, em busca do melhor método, em serem melhores professores. Isso é negligência e não somos chamados a isso! Imagina se nosso Senhor Jesus Cristo tivesse sido negligente em seu chamado (Hb 5.8-10)! Mas nós podemos ser negligentes e assim não aprendemos o que deveríamos (como mestres ou alunos) e nem ensinamos como deveríamos, o que pode trazer sérios prejuízos ao crescimento espiritual da igreja (Hb 5.12-14).
Conclusão
Portanto, o ensino na igreja não pode ser tratado de qualquer jeito. É preciso um ensino sério das Escrituras para que haja verdadeiro crescimento espiritual. Ele é importante para o cristão crescer de forma sadia, com uma fé sólida e sabendo de sua necessidade constante de aprender cada vez mais do próprio Cristo. Para isso, a igreja deve estabelecer as bases corretas para o ensino, montando um currículo básico que considere fatores como faixa etária, grau de crescimento, compreensão e comprometimento com o reino, além de professores chamados, capacitados e dispostos a levarem a boa nova do evangelho. Que o Senhor Jesus Cristo, nosso mestre maior, seja o nosso guia e alvo a ser perseguido. Amém!