Se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar, haja dedicação ao ensino;
Romanos 12.7
Resumo
… Hoje, reflito sobre saudade, busco meu objetivo prioritário e, mergulhada “no meio do livro” da minha história, nado, sonho e rio. Sou grata por ter existido e existir teóricos da educação, sou grata a professores que professam e ensinam e a leigos que ensinam sem professar.
Eu me lembro com saudade do tempo em que, criança, caminhava para a escola por uma estrada empoeirada. Via árvores, flores, pássaros e borboletas. Quando em sala de aula, deparando-me com a rigidez da professora sentia também a alegria da descoberta dos sons, dos símbolos que viravam palavras, das palavras que viravam frases e das frases que viravam meus sonhos.
Quando de volta ao lar, meu cansaço infantil se aconchegava no colo da mamãe, ouvia elogios do papai e brincava de estudar com meu irmão Diógenes. Em sua função precoce de professor ele furava um buraquinho num papel, cobria as letras do ABC e deixava uma só visível pelo orifício. Às vezes eu tropeçava nalgumas delas, principalmente no b, d, p e q, porque elas me pareciam a mesma letra em posições diferentes. Com maior frequência, orgulhosamente, eu dizia os nomes de todas as letras. Ouvia seus sons e deliciava-me com seu sabor escorregando por minha língua e caindo lá…. no centro do coração. Na minha realidade infante eu aprendia, brincava ou brincava e aprendia? Não sei bem. Só sei que mergulhada dentro da minha cartilha, eu nadava, eu sonhava, eu ria.
Do vínculo afetivo da professora, tenho poucas lembranças. Talvez ela pensasse que para ser boa precisava ser dura, assustar crianças indefesas e curiosas. Talvez ela não tivesse estudado os grandes teóricos da educação e só conhecesse as estratégias da punição com castigos indevidos, que na minha pouca idade não entendia, nem entendo agora na minha, muita, idade; talvez ela não tivesse conhecido Piaget, Vygotsky, Reuven Feuerstein, Nísia Floresta; talvez não tivesse ouvido de Carl Rogers, Kurt Lewin, tampouco Skinner. O certo é que ela não usava na sua prática educativa a “modificabilidade cognitiva”, a “introjeção da autoestima”, e o prazer do sucesso como “reforço”. Hoje nada disso importa. O que importa é que aquela professora fez o que pôde e como pôde, e ensinou as primeiras letras às crianças da redondeza, da fazenda “Floresta, “Beija flor” e outras tantas. Fez e faz parte da minha e de tantas outras histórias, de vidas que estão por esse mundo afora, carregando lembranças e saudades. Saudade que chega de manso numa reflexão doce, morna e melancólica, mas também vívida, bela e delicada, por saber que nalgum lugar, pessoas amadas, noutros tempos, dedicaram-se para mediar nossa aprendizagem; mestres que não conheciam teorias nem as técnicas do seu fazer e, ainda assim o faziam. Apresentavam a si próprios numa tarefa de serviço ao outro para o bem do coletivo, porque educar é um grande bem, tão amplo, capaz de abarcar várias gerações, a partir de uma criança. Eu fui uma dessas crianças.
Tal como a mãe do grande educador Feuerstein, que mediava sua aprendizagem aos três anos de idade, na mesa da cozinha, eu fui mediada por meu irmão no chão da nossa casa. Tal como o próprio Feuerstein, que aos nove anos ensinou um garoto de quinze a ler e escrever, Diógenes me ensinou com pilhérias e brincadeiras de menino travesso. Feuerstein se tornou um grande e renomado educador. Ensinou centenas de crianças órfãs do Holocausto, tão fragilizadas que foram consideradas pela teoria de Piaget incapazes de qualquer aprendizagem. Contudo, Feuerstein foi capaz de modificar a estrutura cognitiva delas pela Experiência da Aprendizagem Mediada. Uma dessas crianças foi Ariel Sharon que se tornou Primeiro-Ministro de Israel. Meu irmão não se tornou um educador renomado, só se tornou um grande homem. A minha primeira professora, não fez história no exterior, publicando suas obras em francês, inglês, alemão como Nísia Floresta. Minha professora abriu na sala da sua casa uma escola, a primeira porta do saber, a dezenas, talvez centenas de crianças que são hoje homens e mulheres de bem.
Eu, continuei e continuo construindo meu saber sobre “aquele alicerce”, sobre a rigidez da professora, o aconchego da minha mãe, os elogios do meu pai, e a mediação inocente do meu irmão. Tracei minha trajetória, superei as etapas queimadas, planejei minha vida. Hoje, reflito sobre saudade, busco meu objetivo prioritário e, mergulhada “no meio do livro” da minha história, nado, sonho e rio. Sou grata por ter existido e existir teóricos da educação, sou grata a professores que professam e ensinam e a leigos que ensinam sem professar.
Referências:
FEUERSTEIN Reuven; FEUERSTEIN Refael; FALIK H. Louis. Além da Inteligência – Aprendizagem Mediada e a capacidade de mudança do cérebro. Tradução de Aline Kaehler. Petrópolis : 2014. p. 259.
HALLEY, Henry, H. Manual Bíblico. 7ª ed. São Paulo. Vida Nova. 1986
GERVÁSIO, Senhorinha. O vínculo na aprendizagem – uma homenagem ao dia do professor. Coisas de Senhorinha, 2018. Disponível em <https://coisasdesenhorinha.blogspot.com/2018/>. Acesso em: 05 de jul. de 2021.
HOFFMAN, Jussara. Avaliação Mediadora – uma prática na construção da pré-escola à universidade. Porto Alegre: Mediação, 1991.
MEIER Marcos; GARCIA Sandra. Mediação da aprendizagem – contribuições de Geierstein e Vygotsky. 7ª edição, Curitiba: BMF Gráfica e Editora, 2007. p. 212.
ROGERS, Carl R. Tornar-se pessoa. 2 ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1976
3 Comments
Demorei um pouco terminar a leitura, pois alguns siscos teimavam em roubar minha visão🤔
PARABÉNS!! Você é incrívelmente incrível. Sua sabedoria me inspira💞🥰
Espetacular!
Texto emocionante e emocionado, parabéns.