Depois de apontarmos o que se passava no mundo, na Igreja e na Educação ao tempo da passagem da Idade Média e da entrada da Idade Moderna, vamos tecer alguns comentários sobre impactos sobre a Educação Cristã.
Os reformadores trouxeram muitas contribuições à Educação e à Educação cristã. Luzuriaga (1985, p. 100), famoso historiador, faz algumas considerações sobre o humanismo e a Reforma apontando que ambos dão “importância à personalidade autônoma, da individualidade livre ante qualquer coerção exterior seja intelectual ou religiosa”; “ambas são críticas quanto à autoridade dogmática”; “ambas buscam inspiração na vida espiritual no íntimo do homem e não nas doutrinas impostas”. As diferenças certamente ficam por conta dos aspectos ‘estéticos e intelectuais’ do humanismo e do ‘ético e religioso’ da Reforma. Um é para a aristocracia, o outro para o social e popular; um se pauta nos clássicos, o outro na Bíblia. Sobre as contribuições do protestantismo à educação se refere Cambi (1999, p. 239): “Justamente deles, surgirá, e não dos países católicos, […], a iniciativa mais avançada de novos modelos de instrução popular e moderna”.
Lutero batalhou por uma educação ao alcance de todos numa escola pública, elementar, para o ensino médio que oferecesse melhores condições de ensino e acesso às classes menos favorecidas. Sua grande contribuição à Educação foi a insistência principalmente junto às autoridades na conhecida carta “Aos conselhos de todas as cidades da nação alemã para que estabeleçam e mantenham escolas cristãs”, escrita em 1524 (LUTERO, 2018). Nesta carta, alerta que a boa educação mais do que fortificações e belas construções, é investir em vidas para formação de “cidadãos cultos, polidos, inteligentes, honrados e bem-educados, que possam depois remir, conservar e empregar bem tesouros e riquezas” (LUZURIAGA, 1985, p. 109). Seus colaboradores Melancheton e Bugenhagem, foram peças-chave para o desenvolvimento das escolas públicas principalmente na escola elementar e no ensino médio, e vários príncipes de estados da Alemanha adotaram estas escolas de cunho reformista contendo disciplinas como: escrita, leitura, (latim e alemão) gramática, o credo, os hinos e orações do serviço eclesiástico, os clássicos, a retórica e a dialética.
Poucos autores evangélicos escrevem sobre a história da Educação cristã e mencionam o contexto do Renascimento, em que se deu a Reforma. Encontro na obra Temas fundamentais da Educação Cristã de Robert Pazmiño (2008, p. 146), alguns paralelos do movimento da renascença e da Reforma. O autor inicia o texto afirmando que “A Renascença foi um despertamento, um renascimento, uma renovação no aprendizado”, em contraponto à Idade Média submissa às exigências papais. Lembremos que os grandes inventos trouxeram força à escola, incluindo maior ênfase nas Ciências, numa clara posição de valor ao mundo criado ao invés do criador. Inovações nos currículos com ampliação de novos saberes impulsionaram estudos em diversas áreas. “Para alguns pensadores renascentistas, a razão era entronizada acima da fé. Havia uma tendência de colocar as humanidades, ciências e artes acima da fé” (PAZMIÑO, 2008, p. 147).
Por mais que o movimento renascentista tenha influenciado a educação como um todo, a Educação Cristã mantém-se firme em seus fundamentos, ou seja, a fé pessoal em Jesus Cristo defendida nos argumentos de Pazmiño (2008) confirmando a verdade das escrituras e da fé em Jesus Cristo para salvação. A fé em Jesus Cristo não impede o ser humano de ser racional de colocar a razão criada por Deus em favor do esclarecimento, das respostas às dúvidas e questões relativas às coisas de Deus, mas nunca em detrimento à fé.
A Educação cristã, desenvolvida no lar desde o Antigo Testamento, até os dias atuais, demanda dos pais a responsabilidade de tornar a Palavra de Deus conhecida dos filhos. A defesa de Lutero por Sola escritura e Sola Fide, confronta a Igreja da Idade Média. Calvino escreveu textos clarificando a Palavra e criando escolas ao alcance de todos. Lutero deu grande ênfase à compreensão desde a infância produzindo literatura para as crianças encorajando os pais nessa tarefa. Calvino ainda treinou pastores e estes formaram outros líderes nas escolas levando uma “educação em prol da comunidade de fé […] bem como, “uma educação para o desenvolvimento pessoal” (PAZMIÑO, 2008, p. 149). Tal iniciativa fez desenvolver na sociedade como um todo maior compromisso não só com a fé, mas com o servir ao próximo.
Enquanto a renascença criava uma renovação cultural e intelectual buscando o aperfeiçoamento da razão humana, a reforma buscava uma renovação teológica e eclesiástica entendendo o homem como criatura criada por Deus, aperfeiçoando-se; a renascença buscava a autonomia da pessoa, a reforma um novo senso de fé pessoal, nova compreensão na leitura das escrituras entendendo que todos podemos ser sacerdotes de Deus; a renascença trazia um questionamento do poder político, do Estado, da Igreja, a reforma questionava as normas e tradições da Igreja; a renascença tinha preocupação com as elites e a reforma com o povo; a renascença fortaleceu o uso das línguas clássicas para expansão do vernáculo, a reforma o uso das línguas clássicas para estudos teológicos; a renascença cria num conhecimento para si mesmo e a reforma cria num compromisso e comunhão com Deus (PAZMIÑO, 2008, 150,151).
Finalizando
Quais impactos trouxe a Reforma protestante à Educação cristã? Na esteira da História se passa o mundo, o saber, as ideias, o desenvolvimento do ser humano registrados na história. Cada grande movimento ou mudança causa impactos em diversos setores da vida. Com a Educação cristã não seria diferente.
A Reforma foi marcada pelas ideias filosóficas de renovação encontradas na História do mundo e da Educação. Quando estudamos a História da Igreja e da Educação Cristã pouco é mencionado sobre o pensamento da Filosofia. Teriam influenciado os reformadores? Somos influenciados pelo pensamento reinante na sociedade e na cultura pós-moderna? Passados mais de 200 anos da reforma, lembremos de Robert Reikes, um jornalista que em 1780, em plena Revolução industrial, vivenciou um grande problema ocasionado pela demanda da indústria do carvão e a migração do campo para a cidade de grande número de pessoas. Mobilizado pela gritante pobreza e grupos de crianças analfabetas e bagunceiras vagando e vadiando pela cidade aos domingos, inicia um trabalho social e evangelístico na cidade de Gloucester na Inglaterra. Esse trabalho dá origem à chamada Escola Bíblica Dominical que também impulsionada pela evolução da tipografia e impressão escrita, passa a divulgar estudos bíblicos por toda a Europa.
Grandes impactos e grandes mudanças aconteceram e acontecem na Educação Cristã. As ideias, o desenvolvimento, as demandas sociais e o toque do Espírito Santo de Deus a pessoas escolhidas, fazem mover grandes movimentos educacionais em nossa Educação Cristã. Temos vivido isso nos dias de hoje na OECBB. Graças a Deus por reformadores e por grandes educadores que criam movimentos de expansão do Reino de Deus impactando a Educação cristã, ontem e hoje.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999.
LUTERO, Martinho. Obras selecionadas: ética: fundamentos – oração – sexualidade – educação – economia, v.5 / Martinho Lutero. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2018.
LUZURIAGA, Lorenzo. História da Educação e da Pedagogia. São Paulo: Nacional, 1985.
PAZMIÑO, Robert W. Temas fundamentais em Educação Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.