Palavras-chave: idolatria; secularização; cosmovisão cristã.
Cada pessoa, no meio social em que convive, tece leituras de sua visão de mundo e do seu relacionamento com Deus através de lentes interpretativas fundamentadas em pressupostos, e tais leituras exercem influência no seu sistema de crenças, afetando o seu jeito de ser, agir e pensar.
Assim, a partir da perspectiva do Apóstolo Paulo, pode-se observar através do seu diálogo com os interlocutores de Coríntios, a forte influência cultural grega de idolatrar a pessoa – idolatria do EU, onde o indivíduo exaltava sua própria força e sua sabedoria mundana.
Com esse desejo de controlar seu próprio destino, vale destacar o ensino do filósofo Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas”, ou seja, em seu entendimento o homem é o criador do céu e da terra.
Esse processo que estimula o ser humano ao egocentrismo, a idolatrar a si mesmo, teve a sua ênfase a partir do modernismo até os dias atuais, porém já não é de hoje que a idolatria do EU ocorre na humanidade.
A idolatria do EU deposita sua fé e esperança nas coisas, acreditando que essas sejam capazes de trazer felicidade, porém nada pode trazer a satisfação plena. Esse é o caminho pavimentado por aqueles que rejeitam ao Senhor, e como forma de evitar a presença de Deus em suas vidas, criam ídolos.
A consequência disso são pessoas perdidas, solitárias, desencantadas e ressentidas. Os interlocutores de Paulo em 1 Coríntios 10.23 dizem: “tudo me é lícito”; apesar de serem reivindicações legítimas, por terem o livre arbítrio, de fato tudo é lícito, porém nem todas as coisas são convenientes, rentáveis e saudáveis para a vida cristã.
Diante dessa breve exposição é possível compreender a posição do Apóstolo Paulo na sua argumentação junto à congregação de Coríntios em distinguir o homem natural do espiritual. O homem natural idolatra o EU. O homem espiritual é submisso à vontade de Deus.
Farinelli (2023) assevera que a idolatria inclui muito mais do que curvar-se e acender incensos a uma imagem física. A idolatria é ter qualquer falso deus (objeto, ideia, filosofia, hábito, ocupação, entre outros), que tenha a principal ocupação e lealdade, em qualquer grau, que ocupe o lugar de Deus na vida do ser humano.
A idolatria do EU é superada quando a pessoa compreende o seu chamado e a sua nova vida em Cristo Jesus, quando ela recebe uma nova identidade e é chamada para um relacionamento íntimo com o Pai. Os vocacionados são chamados para adorar em espírito e em verdade. Adorar a Deus é ter uma vida pautada em seus ensinamentos e obediência. Um vocacionado.
Ser um vocacionado é ter a oportunidade de estar mais próximo de Deus, de servir na sua obra e principalmente de abrir mão do padrão humano para viver o padrão de Jesus. A vocação tem um significado para os que se submetem à vontade do Senhor e não à vontade do EU, pois segundo Paulo “não sou mais eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gl 2.20).
Assim pode-se concluir que não se deve desprezar o homem e os seus talentos, pelo contrário, sabemos que é dever cristão multiplicá-los, e colocá-los a serviço dos outros. Mas todo cristão deve ter sempre muito claro em seu entendimento a infinita distância entre a Onipotência de Deus e a pequenez do homem, pois sabe-se que a graça de Deus opera sobre a natureza do homem, não a dispensa, nem a destrói, como ensinou Agostinho de Hipona, mas a criatura só será feliz se reconhecer, amar, servir e adorar o seu Criador.
Referências
Bíblia Sagrada Nova Almeida Atualizada. Tradução de João Ferreira de Almeida, 3ª Ed. Barueri/SP, Sociedade Bíblica do Brasil, 2017
HIPONA, Agostinho. A cidade de Deus. Livraria Schmidt, Rio de Janeiro, 1931.
FARINELLI, Donato. A cosmovisão cristã: um estudo aplicado ao contexto eclesiástico sob a ótica de I Coríntios. Curitiba, CRV, 2023.
MEISTER, Mauro. A origem da idolatria. São Paulo, Vida Nova, 2017.