Na ritualística do Protestantismo Evangélico – refiro-me à colcha de retalhos que se tornou a diversidade de igrejas e suas doutrinas – não temos uma semana como sendo “santa”. Não temos a Ceia do Senhor como um “sacramento” – no Catolicismo, o que transmite ou confere graça.
Desde a Reforma ou especificamente a entrada dos missionários americanos introduzindo o Evangelho na Terra de Santa Cruz, historicamente houve uma preocupação em que as igrejas de orientação protestante ou suas descendentes, não se parecessem com o Catolicismo. A efeito, nos despimos de rituais e simbologia.
Templos católicos cheios de imagem – cruz como ornamento, templos evangélicos limpos, sem arquitetura, quais caixotes.
Uma “semana santa” para chamar de sua, evangélicos esvaziando o sentido de se ter uma semana distinta, separada, portanto, “santa”, reduzida a mero feriado.
Por um lado, a Quaresma – os 40 dias a partir da quarta-feira das cinzas até o ato da paixão do Cristo. Por estes dias católicos encenam a entrada triunfal do Nazareno em procissões, no Domingo de Ramos; a pintura das ruas, a coreografia ritual para recordar aquela semana fatal, de quase 2.000 anos atrás.
Esse divórcio da simbologia e consequente distinção do Catolicismo tem seus colaterais. Somos tão diferentes que conseguimos banir a Cruz – símbolo cristão, não exclusividade católica. Não praticamos a confissão auricular: Por não sermos católicos, então, não praticamos confissão alguma… Raros cultos com atos de confissões pessoais ou públicas.
No passado havia a tradição das emissoras abertas exibirem filmes descritivos da vida e obra de Jesus de Nazaré. A TV aberta brindava o público cristão, algo que aguardávamos com expectativa. Isso acabou. Como acabou o hábito de tomar a bênção, ritual em quem sobretudo nordestinos aprendiam e reverenciavam pais, tios e avós:
– “A benção, pai!”
– “Deus te abençoe e te guarde!” ou “Deus te abençoe e te faça feliz!”
Rituais e símbolos norteiam um povo. Suas práticas visam guardar uma identidade. Sabemos de onde viemos, o que nos caracteriza e, para além, o que nos distingue. Mas esse desapego às tradições, essa reivindicação de não nos parecer com católicos, enfraqueceu nossa identidade!
Hoje vemos festas cristãs como o Natal e a Páscoa sem qualquer indício, vestígio, alusão mínima, à figura de Jesus de Nazaré – suas razões de serem. Reconheçamos, o Secularismo venceu.
Vejamos que em Deuteronômio, capítulo 6, YaHweH manda que houvesse a oralidade:
“Estes, pois, são os mandamentos, os estatutos e os juízos que mandou o SENHOR vosso Deus para ensinar-vos, para que os cumprísseis na terra a que passais a possuir;
…Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor.
Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças.
E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração;
E as ensinarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te.
Também as atarás por sinal na tua mão, e te serão por frontais entre os teus olhos.
E as escreverás nos umbrais de tua casa, e nas tuas portas.
Quando, pois, o Senhor teu Deus te introduzir na terra que jurou a teus pais, Abraão, Isaque e Jacó, que te daria, com grandes e boas cidades, que tu não edificaste,
E casas cheias de todo o bem, que tu não encheste, e poços cavados, que tu não cavaste, vinhas e olivais, que tu não plantaste, e comeres, e te fartares,
Guarda-te, que não te esqueças do Senhor, que te tirou da terra do Egito, da a casa da servidão…
Quando teu filho te perguntar no futuro, dizendo: Que significam os testemunhos, e estatutos e juízos que o Senhor nosso Deus vos ordenou?
Então dirás a teu filho: Éramos servos de Faraó no Egito; porém o Senhor, com mão forte, nos tirou do Egito;
E o Senhor, aos nossos olhos, fez sinais e maravilhas, grandes e terríveis, contra o Egito, contra Faraó e toda sua casa…”
A tradição oral enfatiza a presença de YaHweH e sua ação na libertação do cativeiro egípcio. Para que não fosse esquecido. É nesse contexto que a Páscoa é criada. Um Memorial.
Na Diáspora – a dispersão a que os judeus foram submetidos em diversos momentos da história, a tradição oral defendeu a identidade religiosa, o patrimônio cultural e as origens. Porque sem memória não há identidade!
Por exemplo, ao final da cerimônia de casamento judaico o noivo quebra a taça com o pé. Isso simboliza a lembrança da destruição do Templo Sagrado. O ato demonstra que, mesmo em momentos felizes, não podemos nos esquecer das passagens tristes que ocorrem ao longo de nossa vida. Foi com a tradição oral persistente que o Sionismo foi possível nos anos 40, 50… Quando os judeus dispersos mundo adentro sonhavam com o retorno à Palestina: “Ano que vem, em Jerusalém”.
Ao estabelecer a Ceia do Senhor Jesus de Nazaré reeditou seu sentido: O em “memória de mim” se faz necessário para que a história não se perdesse. Nem havia passado uma geração e a igreja em Corinto havia perdido a essência ritual… Em 1Coríntios 11 o apóstolo tenta seu resgate.
A informalidade e a crítica à religiosidade em curso atingiu a ideia de um “dia do Senhor”. Se não há um dia para o Senhor, então,…
Se a Ceia não é um sacramento, então, não precisaríamos elaborar a participação.
Se não precisamos fazer uma confissão, então, não fazemos nenhuma…
Se não há uma “sexta-feira da paixão”, aproveitemos o “feriadão”…
Precisamos contar e recontar a história do que aconteceu naquela Páscoa há quase 2.000 anos. Já assistimos a páscoa e natais sem Jesus. O desapego a rituais, característico de protestantes e evangélicos, advertem sobre o legado de fé (ou falta dele) poderá acometer a próxima geração. Neste sentido, educadores devem aprofundar no programa aplicado às suas comunidades, uma revisão necessária sobre o que pretendemos nesta semana dita santa. Que seja um dia didático. Se não implica ser “santa” no sentido católico, também não precisa ser uma semana qualquer…
2 Comments
Excelente reflexão! Parabéns!!!!!
Algo importantíssimo para se levar em consideração!
Verdade. Inclusive é muito comum evangélicos comprarem ovos de páscoa. Afinal é só “chocolate”. Os católicos mantendo suas tradições e os evangélicos inventando rituais em seus cultos.
No nosso caso como batistas, precisamos regatar nossa identidade e história para nossos adolescentes e jovens. Porque não conhecem. E rever essa liderança que está trazendo o evangelho progressista para nossas igrejas. Aí sim poderemos resgatar a Semana Santa.
Fiquem na paz de Jesus!