A negligência ambiental é um pecado silencioso, mas de impactos devastadores. Eventos como as enchentes no Brasil em 2024 expõem a vulnerabilidade de comunidades negligenciadas e desafiam a igreja a se posicionar. A omissão histórica de algumas igrejas em relação ao cuidado ambiental é incompatível com o chamado bíblico de sermos “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5.13-16).
Segundo a pesquisa da organização social Instituto Cidades Sustentáveis (ICS) “mostra que 94% dos municípios brasileiros não estão preparados de forma suficiente para a prevenção de tragédias climáticas. Fazem parte desse grupo todos aqueles que têm menos da metade de um total de 25 estratégias para o enfrentamento de eventos como enchentes, inundações e deslizamentos de encostas”. Esta pesquisa é mais uma prova que estamos todos, tendo que aprender a lidar com as causas e consequências das mudanças climáticas. Sua igreja está em um local seguro? Sua casa está em um local seguro? Sua igreja tem algum projeto para atender essas necessidades ambientais?
O relacionamento da Igreja com o meio ambiente, na contemporaneidade tem se mostrado tímido. Tillich, fala um pouco sobre o Deus que se relaciona, de forma integral, com os homens e responde às necessidades socioambientais do homem. Esse exemplo deveria ser seguido por sua igreja em relação ao seu próximo, e sua comunidade. “Deus se relaciona com o mundo e não apenas com o indivíduo e sua vida interior. Sua atividade tampouco se circunscreve aos limites da Igreja enquanto entidade sociológica. Deus se relaciona com o universo e o universo inclui a natureza, a história e a personalidade.” (TILLICH, 2004, p.237). Tillich aponta o caminho para o sonho de Deus, olhar o homem como ser integral em relação à sociedade, natureza, e se reconhecer no ser humano.
Harnack destaca que o cristianismo atual frequentemente ignora seu papel no mundo (Harnack, 2009, p. 77). A criação literalmente está gemendo (Romanos 8.18-22). Hendriksen (2001, p.354) defende que este texto se refere a um gemido que indica sofrimento político, social e ambiental. A sociedade segue rodeada de sofrimento, presente em boa parte da criação, por causa da presença da ação maligna do homem, e homens cristãos negligentes. O que tem sido o cristianismo hoje? O Teólogo von Harnack tenta nos explicar o cristianismo vivido hoje, estando inseridos neste mundo sendo de lá, do céu. “A maneira como desenvolveremos nossa existência na terra, e serviremos ao próximo, dependerá sempre da nossa liberdade de ação. Foi isso que o apóstolo Paulo entendeu pelo evangelho, e não creio que estivesse errado. Portanto lutemos, façamos justiça aos oprimidos, organizemos as circunstâncias do mundo da melhor maneira possível, com consciência e discernimento, fazendo o melhor para o próximo, mas não esperemos que o evangelho possa nos ajudar nessas tarefas, nem façamos exigências a nós mesmos que acabem nos glorificando. Não nos esqueçamos que, o mundo passa, não apenas como desejos pecaminosos, mas também com suas regras e bens! Digamos mais uma vez: o evangelho só conhece um alvo e só tem uma ideia, e exige que nunca abandonemos o que prega. Se as exortações para renúncia dominam a maneira precipitada os ensinos de Jesus, tenhamos o cuidado de preservar as importantíssimas reivindicações da relação com Deus e a ideia do amor. O evangelho está acima das questões acerca do desenvolvimento mundano. Não se preocupa com as coisas materiais, mas com as almas humanas”(HARNACK, 2009, p.77.). Essa grande citação de Harnack, traz uma alusão aparente ao livre arbítrio do homem em relação aos mandamentos de Deus, traz à tona uma realidade na igreja, em relação à liberdade de agir ou não em relação à desigualdade socioambiental atual. Precisamos escolher, cuidar do meio ambiente e viabilizar ações que glorifiquem a Deus nesta questão.
Sigamos o exemplo de como John Eliot, manifestou a glória de Deus. Ele não apenas pregou o evangelho aos índios norte-americanos, mas também buscou compreender sua cultura, mostram como integrar evangelismo e justiça social (Cairns, 2008, p. 226), nos desafiam a olhar as secas, os incêndios florestais e enchentes como algo que modifica totalmente o rumo da humanidade. Assim como Eliot compreendeu a cultura dos índios para evangelizá-los, nós precisamos compreender que temos responsabilidades ambientais urgentes.
Sabemos que todos os eventos naturais são obra maior do Criador, porém as ações irresponsáveis dos homens podem piorar consideravelmente os seus efeitos. Seguir a Cristo é manifestar sua multiforme graça em todas as nossas ações, sendo “[…] Cristo é a pedra, sobre a qual a igreja foi fundamentada” (CAIRNS,2008.p.39) manifestemos Ele através das ações em favor do meio ambiente e ecossistema em que vivemos. O livro de Gênesis apresenta a soberania de Deus sobre toda a criação e raça humana, em Gênesis 1.28, Deus abençoa o casal, e lhe dá o mandato de serem fecundos multiplicando e enchendo a terra, para cuidar dela e de tudo que nela existe. Quando falamos do mandato natural, lembramos sempre de povoar a terra e negligenciamos o cuidado com ela. Por isso, precisamos fomentar o cuidado ambiental nas nossas comunidades de fé.
Fomentando o cuidado ambiental nas Igrejas:
- Ensinar sobre mordomia cristã, com base em passagens como Romanos 8.19-21, pode inspirar maior engajamento ambiental. Práticas como reciclagem, economia de água e energia devem ser incentivadas nas congregações.
- Pastores e professores podem e devem usar estudos bíblicos para conscientizar a igreja sobre o impacto ambiental de suas ações Existe uma deformação teológica nas igrejas quando não se fala do senhorio de Cristo, e da mordomia do cristão em relação à igreja, e ao próximo e ao meio ambiente. Quase não ouvimos pregações chamando a igreja a viver a plenitude do Evangelho em harmonia com a natureza. N. T. Wright, autor de “Surpreendido pela Esperança”, dá uma importante contribuição: “Tudo o que fazemos no Senhor ‘não é vão’ e esse é o mandato que precisamos para todo ato de justiça e misericórdia, toda atividade ecológica, todo esforço para refletir a sábia imagem de Deus a serviço da sua criação.”(p. 224-225). Não há orientação pela busca da consciência ambiental, sem doutrinação partidária ou ideológica, essa realidade precisa mudar.
A omissão, silêncio da igreja em relação ao cuidado ambiental não é apenas um descuido com a criação de Deus, mas uma falha em manifestar completamente o amor e a justiça que o Evangelho ensina. A negligência para com o meio ambiente resulta em consequências devastadoras para as comunidades mais vulneráveis, evidenciando a necessidade de um posicionamento ativo e comprometido por parte do corpo de Cristo. A cada desastre, iremos precisar de mais voluntários. Esses voluntários estão em nossas igrejas e precisam ser capacitados para ir para os campos missionários em situações de crises ambientais.
Reconhecer que o cuidado ambiental é parte da mordomia cristã implica em agir como agentes de transformação, promovendo ações que glorifiquem a Deus e tragam esperança à criação que geme, conforme descrito em Romanos 8.18-22. Assim como figuras históricas como John Eliot souberam integrar evangelismo e justiça social, as igrejas contemporâneas devem ser exemplares no engajamento ambiental, respondendo aos desafios climáticos com criatividade, compaixão e compromisso. As ações que os Batistas realizaram nas últimas calamidades do Brasil, ainda reverberam, mas em muitos locais, é quando os holofotes se apagam, é que a igreja local precisa se levantar e estar preparada para atender a população no pós tragédia.
Práticas simples, como a reciclagem, economia de recursos e o incentivo à conscientização nas congregações, são passos práticos que demonstram o amor de Deus em ação. A teologia precisa ser vivida em harmonia com a natureza, refletindo o caráter de Cristo e apontando para a esperança de uma criação renovada. Cabe à igreja atender ao chamado de ser “sal da terra e luz do mundo”, mostrando ao mundo que, ao cuidar do meio ambiente, estamos cuidando também do próximo e honrando a Deus.
A responsabilidade cristã não se limita ao individualismo espiritual, mas se estende ao cuidado da criação como um reflexo do amor gracioso de Deus por todos os seres humanos e pela terra que Ele nos confiou.
Bibliografia
- Cairns, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2008.
- Hendriksen, William. Romanos: Comentário do Novo Testamento. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001.
- Harnack, Adolf von. O Evangelho e a História: Reflexões sobre o Evangelho e a Igreja. São Paulo: Paulus, 2009.
- Instituto Cidades Sustentáveis (ICS). “Pesquisa sobre estratégias de enfrentamento de tragédias climáticas nos municípios brasileiros.” [Fonte consultada na pesquisa]
- Tillich, Paul. Teologia Sistemática. São Paulo: Fonte Editorial, 2004.
- Wright, N. T. Surpreendido pela Esperança. São Paulo: Ultimato, 2010.